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Foto do escritorRafael Biasi

Breves notas sobre a Lei nº 14.010/2020

2020: o que era para ser um ano economicamente promissor veio a ser ceifado por um vírus que causa uma doença respiratória. Em 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) declara a pandemia da Covid-19.


Após inúmeras publicações de Leis, Decretos e Portarias, em 10 de junho de 2020 o Presidente da República sancionou a Lei nº 14.010 que dispõe sobre o Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado no período da pandemia do coronavirus (Covid-19),



Em suas disposições gerais, a lei considera como termo inicial para os eventos derivados da pandemia da Covid-19 a data de 20 de março de 2020. Na sequência, há disposições sobre (i) prescrição e decadência, (ii) pessoas jurídicas de direito privado, (iii) relações de consumo, (iv) usucapião, (v) condomínios edilícios, (vi) regime concorrencial e (vii) direito de família e sucessões. O presente artigo não tratará dos artigos afetados pelo veto presidencial.


Nota-se que a lei não altera os dispositivos de outras legislações, visto que o intuito não é estabelecer qualquer regramento permanente no ordenamento jurídico, bem como não tem como objetivo revogar disposições já firmadas. Em suma, a norma busca suspender normas incompatíveis com as consequências do período excepcional da situação socioeconômica desencadeada pela pandemia.


Sobre a prescrição e decadência, o artigo 3º[1] desta Lei prevê a suspensão ou impedimento dos prazos prescricionais, conforme o caso, a partir da entrada em vigor da mencionada lei até a data de 30 de outubro de 2020.


Nota-se que há um lapso temporal específico para a aplicação da suspensão ou impedimento dos prazos prescricionais, não havendo espaço para interpretação ou retroatividade dos efeitos da norma.


A regra não se aplica enquanto perdurarem as hipóteses específicas de impedimento, suspensão e interrupção dos prazos prescricionais previstas no ordenamento jurídico nacional.


A pretensão do legislador é obstar o transcurso do prazo prescricional para se formular pretensão em juízo, em virtude dos obstáculos experimentados pela parte interessada na adoção de providências necessárias para o ingresso de ação judicial durante o período pandêmico.


Adiante, a legislação provisória trata sobre as pessoas jurídicas de direito privado ao disciplinar que “A assembleia geral, inclusive para os fins do art. 59 do Código Civil, até 30 de outubro de 2020, poderá ser realizada por meios eletrônicos, independentemente de previsão nos atos constitutivos da pessoa jurídica”.


O artigo 59 do Código Civil dispõe sobre as assembleias gerais das associações que tem competência privativa para destituir os administradores e/ou alterar o estatuto. Para tanto, é exigido à convocação específica de uma assembleia, cujo quórum esteja estabelecido no estatuto, bem como haja disposições sobre os critérios de eleição dos administradores.


Portanto, a normal temporária trouxe previsão legal para possibilitar a realização das assembleias gerais via recursos eletrônicos, sendo que a manifestação dos participantes poderá ocorrer por qualquer meio eletrônico indicado, desde que assegure a identificação do participante e a segurança do voto e irá produzir todos os efeitos legais de uma assinatura presencial.


Assim, o legislador buscou facilitar a realização das assembleias gerais durante o período com diversas restrições de locomoção e funcionamento das repartições públicas e privadas, assim como buscou trazer legalidade ao ato via modo eletrônico.


Quanto às relações de consumo, a lei prevê alteração no sentido que “até 30 de outubro de 2020, fica suspensa a aplicação do art. 49 do Código de Defesa do Consumidor na hipótese de entrega domiciliar (delivery) de produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos”.


Antes de qualquer comentário, o artigo 49 do CDC disciplina o direito de arrependimento em favor do consumidor em contratos celebrados a distância, ou seja, fora do estabelecimento comercial, seja por telefone, internet, entre outras possibilidades.


O direito de arrependimento consiste no direito do consumidor em desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar da sua assinatura ou do recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação do fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial.


Assim, a norma temporária suspendeu até 30 de outubro de 2020 o direito de arrependimento para os produtos perecíveis ou de consumo imediato e de medicamentos entregues via delivery. Portanto, o consumidor não poderá rejeitar imotivadamente os produtos mencionados na hipótese de entrega domiciliar. Trata-se de uma suspensão que prejudica deliberadamente o consumidor, confrontando o Código de Defesa do Consumidor.


No tocante às disposições sobre usucapião, a analisada legislação suspende os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor da lei até 30 de outubro de 2020, segundo o seu artigo 10[2].


Em uma forma prática, um sujeito que vem exercendo posse mansa e contínua, com justo título e boa fé, a exemplo de uma usucapião ordinária, terá o prazo de prescrição aquisitiva suspenso entre 14 de junho de 2020 (data de entrada de vigor da legislação temporária) até 30 de outubro de 2020. Após o termo final, o prazo voltará a correr normalmente, devendo ser computado o lapso já percorrido.


Sobre os condomínios edilícios, o artigo 12 da Lei 14.010/2020 prevê a possibilidade da ocorrência de assembleia condominial, por meios virtuais, em caráter de emergencial para aprovar orçamento das despesas, bem como para destituir o síndico que não prestar contas, na forma dos arts. 1.349 e 1.350 do Código Civil. No caso, a manifestação de vontade de cada condômino será equiparada, para todos os efeitos jurídicos, à sua assinatura presencial.


Caso não haver a possibilidade da realização de assembleia condominial de forma virtual, os mandados de síndico vencidos a partir de 20 de março de 2020 ficam prorrogados até 30 de outubro de 2020.


Assim, a norma prevê uma alternativa viável para a realização de assembleias com a intenção de evitar aglomerações no tempo de pandemia com o fim de evitar a proliferação do vírus entre os condôminos.


No mesmo tema, o art. 13[3] da estudada legislação disciplina que a prestação de contas regular dos atos de administração do síndico é obrigatória, sob pena de destituição. Deste modo, o dispositivo reforça a diretriz prevista no art. 1.348, inciso VIII, do Código Civil[4].


Quanto ao regime concorrencial, o artigo 14 da norma transitória prevê que fica sem eficácia em relação aos atos praticados e com vigência de 20 de março de 2020 até 30 de outubro, ou enquanto durar o estado de calamidade pública:


a) Caracteriza infração de ordem econômica vender mercadoria ou prestar serviços injustificadamente abaixo do preço de custo, conforme art. 36, §3º, inciso XV, da Lei 12.529/2011;


b) Caracteriza infração de ordem econômica cessar, parcial ou totalmente, as atividades da empresa sem justa causa comprovada, conforme art. 36, §3º, inciso XVII, da Lei 12.529/2011;


c) A realização de um ato de concentração quando duas ou mais empresas celebram contrato associativo, consórcio ou joint venture, na forma do art. 90, inciso IV, da Lei 12.529/2011.


c.1) A suspensão do item acima não afasta a possibilidade de análise posterior do ato de concentração ou de apuração de infração à ordem econômica prevista no art. 36 da Lei 12.529/2011, dos acordos que não forem necessários ao combate ou à mitigação das consequências pandêmicas.

No mesmo sentido, fica suspensa a apreciação das infrações previstas no art. 36[5] da Lei 12.529/2011 pelo órgão competente caso praticadas a partir de 20 de março de 2020, e enquanto durar o estado de calamidade pública, deverão ser consideradas as circunstâncias extraordinárias decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19).


Por fim, sobre o direito de família e sucessões, o art. 15[6] da norma temporária prevê o cumprimento da prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528[7], §3, do Código de Processo Civil, sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações.


Deste modo, o devedor inadimplente de uma dívida alimentar irá cumprir a prisão civil em regime domiciliar, assim como deverá arcar com as obrigações alimentícias cabíveis.


No caso de processo de inventário e partilha, o prazo de dois meses para instauração do procedimento, previsto no art. 611[8] do Código de Processo Civil, foi dilatado pela Lei 14.010/2020, na forma do art. 16. Para tanto, para as sucessões abertas a partir de 1º de fevereiro de 2020, ou seja, em caso de falecimento do autor da herança após esse período, o prazo para ingressar com o processo de inventário e partilha tem início apenas em 30 de outubro de 2020.


Sobre o mesmo assunto, o prazo de 12 meses para ultimar-se o inventário, também previsto no art. 611 do Código de Processo Civil, ficará suspenso a partir da entrada em vigor da estudada legislação (10/06/2020) até 30 de outubro de 2020, somente caso o referido prazo tenha iniciado antes de 1º de fevereiro de 2020.

Nota-se que as interrupções e suspensões de prazos prevista nesta legislação justifica-se pela dificuldade de obtenção de documentos específicos em repartições públicas e particulares que, por conta da Covid-19, tiveram o seu funcionamento alterado ou até suspenso. Portanto, trata-se de uma norma transitória publicada especificamente para o improvável cenário pandêmico que o Brasil e o Mundo enfrenta.

[1] Art. 3º Os prazos prescricionais consideram-se impedidos ou suspensos, conforme o caso, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020. [2] Art. 10. Suspendem-se os prazos de aquisição para a propriedade imobiliária ou mobiliária, nas diversas espécies de usucapião, a partir da entrada em vigor desta Lei até 30 de outubro de 2020. [3] Art. 13. É obrigatória, sob pena de destituição do síndico, a prestação de contas regular de seus atos de administração. [4] Art. 1.348. Compete ao síndico: [...] VIII - prestar contas à assembléia, anualmente e quando exigidas; [5] Art. 36. Constituem infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: [6] Art. 15. Até 30 de outubro de 2020, a prisão civil por dívida alimentícia, prevista no art. 528, § 3º e seguintes da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), deverá ser cumprida exclusivamente sob a modalidade domiciliar, sem prejuízo da exigibilidade das respectivas obrigações. [7] Art. 528. No cumprimento de sentença que condene ao pagamento de prestação alimentícia ou de decisão interlocutória que fixe alimentos, o juiz, a requerimento do exequente, mandará intimar o executado pessoalmente para, em 3 (três) dias, pagar o débito, provar que o fez ou justificar a impossibilidade de efetuá-lo. [...] § 3º Se o executado não pagar ou se a justificativa apresentada não for aceita, o juiz, além de mandar protestar o pronunciamento judicial na forma do § 1º, decretar-lhe-á a prisão pelo prazo de 1 (um) a 3 (três) meses. [8] Art. 611. O processo de inventário e de partilha deve ser instaurado dentro de 2 (dois) meses, a contar da abertura da sucessão, ultimando-se nos 12 (doze) meses subsequentes, podendo o juiz prorrogar esses prazos, de ofício ou a requerimento de parte.

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