Breves notas sobre regulamentação das apostas esportivas: objeto, obrigações e procedimento de autorização
por Rafael Biasi e Alexandre Amaral Filho
A divulgação da minuta de apostas esportivas pelo Ministério da Economia movimentou o setor e é uma importante iniciativa para finalmente regulamentar a atividade a nível federal.
No início do mês de maio começou a circular na mídia especializada uma minuta daquilo que provavelmente se tornará o Decreto das Apostas Esportivas de Quota-Fixa (AQF), modalidade lotérica que aguarda regulamentação desde 2018 pela Secretaria de Avaliação, Planejamento, Energia e Loteria do Ministério da Economia (SECAP-ME).
O texto oficial ainda será publicado no Diário Oficial da União, podendo ocorrer alterações.
O objeto das apostas esportivas de quota-fixa em âmbito federal
As AQF se limitam a eventos reais de temática esportiva, conforme já dispunha a Lei n. 13.756/2018; a novidade da minuta é a inclusão expressa de eventos que se dão no ambiente virtual, favorecendo o mercado de e-sports e live streaming, que, segundo dados do Relatório Newzoo[1], faturou em torno de US$ 1 bilhão em 2021 a nível global.
Por outro lado, o texto da minuta, fiel ao que dispõe a Lei n. 13.756/2018, não incluiu eventos não-esportivos sobre os quais as apostas pudessem tratar, como resultados de programas de televisão, eventos políticos e outros acontecimentos diversos – como costumam oferecer diversos sites de aposta estrangeiros.
As autorizações e os requisitos exigidos dos operadores
Ao optar pelo instituto da autorização, que não demanda a realização de licitação, a minuta de regulamentação segue a trilha mais usual dentre os mercados regulados mais bem sucedidos.
Um número ilimitado de operadores poderá explorar as AQF, contando cada autorização com o prazo de cinco anos, devendo ser observadas, entre outras, as seguintes condições: o pagamento prévio de R$ 22,2 milhões; a constituição de uma filial no Brasil que detenha capacidade econômica e financeira suficiente para suportar a atividade; designação de ao menos um representante legal, um representante contábil, um ouvidor e um responsável por compliance, estabelecidos no país.
Apesar de, em regra, ser ilimitado o número de autorizações, dentro dos primeiros 12 meses de vigência do decreto o Governo Federal poderá, desde que de forma justificada, limitar as autorizações.
O procedimento de autorização
Segundo a minuta, o passo a passo para obter a autorização do governo se dá em duas Etapas.
A primeira consiste na apresentação de documentos da pessoa jurídica e eventual controladora, sócios controladores, cargos de diretoria e representante legal, contábil, de ouvidoria e de compliance, como certidões negativas, contrato social, comprovação da capacidade econômica etc. Os documentos apresentados na Etapa 1 devem ser redigidos em língua portuguesa ou traduzidos oficialmente.
Após a entrega dos documentos, o regulador terá o prazo de 30 dias, contado da data do protocolo, para analisar a conformidade da documentação. Atendidas as exigências, o requerente será comunicado e notificado para comprovar os documentos da Etapa 2.
A segunda etapa será a comprovação de capacidade, por meio da qualificação técnica, prestação de garantia bancária ou financeira, estrutura operacional, certificação internacional de seus sistemas e ausência de conflitos de interesses em relação a outras atividades desenvolvidas pelo operador.
O regulador terá o prazo de 60 dias para concluir a análise do deferimento do pedido da autorização. Caso o regulador entenda pelo deferimento, notificará o requerente para comprovar o pagamento do valor de R$ 22,2 milhões.
Contado da comprovação do pagamento, no prazo de até 10 dias a autorização será deferida por meio de ato específico que deverá ser publicado no diário oficial da União.
Produto da arrecadação, realização de apostas e pagamento de prêmios
Ao operador caberá pagar prêmios, recolher a contribuição para a seguridade social e valores relativos aos repasses sociais previstos na legislação, incidentes sobre o produto da arrecadação e recolher o imposto de renda incidente sobre a premiação.
O imposto de renda incidente sobre prêmios incidirá sobre o valor do ganho que exceder ao valor da primeira faixa da tabela de incidência mensal do IRPF – a qual está hoje em R$ 1.903,98. Isto é, se o apostador acertar uma aposta e receber a quantia de R$ 2.903,98, o imposto de renda, na alíquota de 30%, incidirá sobre R$ 1.000,00, que é a quantia que excedeu a primeira faixa da tabela de incidência mensal do IRPF.
Contudo, não está claro como se dará a aplicação do imposto de renda: se quando apostador sacar a quantia que está em sua banca ou se no momento imediato que sua aposta for resolvida. A ver.
Define-se como “ganho” a diferença entre o valor do prêmio diminuído o valor apostado; ou o somatório dos prêmios diminuído do somatório dos valores apostados quando se tratar de apostas idênticas efetuadas no mesmo evento.
Quanto aos meios de pagamento, o decreto admitirá qualquer um que seja autorizado pelo Banco Central, devendo a autarquia determinar regras para implementação de mecanismos de controle a evitar que instituições financeiras e de pagamento autorizem transações com cartões de crédito ou débito ou moeda eletrônica que tenham por finalidade a participação em jogos de azar por meio eletrônico administrado por empresa não autorizada.
Obrigações gerais dos operadores
Os operadores deverão colocar à disposição do regulador informações para análise, coibição, detecção, inibição ou prevenção de irregularidades na exploração de loterias, informações gerais sobre as apostas captadas, referentes à certificação de equipamentos físicos e de programas de computador, reclamação dos apostadores.
Deverão utilizar sistemas auditáveis, disponibilizando acesso irrestrito, contínuo e em tempo real ao regulador, bem como estabelecer um canal de contato específico para atendimento prioritário das demandas do regulador, além de adotar mecanismos de segurança e integridade na realização das apostas.
Os eventos esportivos, por parte do operador, deverão contar com ações de mitigação de manipulação de resultados e de corrupção.
A bandeira do jogo responsável, uma constante nos debates acerca da regulação das AQF, encontra reflexo também nas regras de publicidade, dispondo o texto da minuta que ações de comunicação que envolvam as AQF deverão promover a conscientização sobre os malefícios do jogo irresponsável, com advertências, em formato falado e escrito, nas propagandas, avisos nos bilhetes impressos e nos ambientes eletrônicos de apostas, nos materiais de divulgação dos operadores e também nas suas páginas de internet, de forma legível e ostensivamente destacada.
É estabelecida, ainda, a obrigação de os operadores promoverem campanhas anuais para esclarecer ao público sobre os riscos e consequências do jogo patológico, ficando proibidas campanhas publicitárias que apresentem o jogo como alternativas a problemas financeiros, trate o jogo como prioridade na vida, encoraje comportamento criminoso, entre outras proibições.
Por fim, os operadores deverão adotar e implementar política, procedimentos e controle interno visando a prevenção e lavagem de dinheiro relativamente aos deveres previstos na Lei de Prevenção de Lavagem de Dinheiro.
Conclusão
A referida minuta é o terceiro texto apresentado desde 2018 para regulamentação das AQF e representa avanços importantes, notadamente pela opção do instituto da autorização em vez da concessão, o que permitirá iniciar o quanto antes as operações no país.
Uma pequena ressalva deve ser empregada quanto à expressão “serviço público exclusivo da União”, que consta no art. 1º, §1º, do texto. A terminologia, embora reproduza a expressão usada na Lei n. 13.756/2018, contraria a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto das ADPFs 492 e 493 e ADI 4.986, transitado em julgado em 02/02/2021, acerca da competência dos Estados e do Distrito Federal para exploração de quaisquer das modalidades lotéricas criadas pela União.
Nesse sentido, os Estados e o Distrito Federal poderão não apenas explorar as AQF conforme permite a lei federal, mas também regulamentá-las em seus territórios, por decretos criados pelos respectivos poderes executivos.
A iniciativa da SECAP-ME é elogiável, mormente porque nota-se, pelo conteúdo da minuta, que desde 2018 por meio de audiências públicas e participações nos eventos do setor esteve o órgão governamental atento às opiniões dos principais agentes da indústria.
Alexandre Amaral Filho, advogado especialista em Direito Constitucional. Membro da Comissão Especial de Direito dos Jogos Esportivos, Lotéricos e Entretimento na Seccional da Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro e membro da Comissão de Direito de Jogos na Seccional da Ordem dos Advogados do Distrito Federal.
Rafael Biasi, advogado militante na área de Gambling Law. Membro da Comissão Especial de Direito dos Jogos Esportivos, Lotéricos e Entretenimento na Seccional da Ordem dos Advogados do Rio de Janeiro e membro da Comissão de Direito de Jogos na Seccional da Ordem dos Advogados do Distrito Federal.
[1] Newzoo’s Global Esports & Live Streaming Market Report 2021. Link: https://newzoo.com/products/reports/global-esports-live-streaming-market-report.
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