Por Alexandre Amaral Filho e Rafael Biasi
A evolução do mercado de videogames, amparada no desenvolvimento das tecnologias de informação, o advento das redes sociais, e a criação de eventos competitivos temáticos, produziu algo que vai além da venda de produtos eletrônicos no mercado de entretenimento. Mais que só um jogo, a última década consolidou a expressão cultural denominada E-sports.[1]
O que xadrez, League of Legends, hóquei no gelo e a Lei Geral de Esporte e apostas esportivas têm a ver com os E-sports? Todos eles são importantes para (re)pensar conceitos antigos diante das inovações tecnológicas, mudanças comportamentais e hábitos de consumo que marcaram os últimos anos. Este breve artigo abordará o status jurídico do conceito de E-sports no Brasil, os argumentos atinentes a uma perspectiva crítica, e os reflexos do tema no mercado de apostas esportivas no país.
1. O conceito de desporto na lei brasileira
O art. 1º, § 1º, da Lei Geral do Esporte, n. 14.597/2023, impõe um conceito adstrito à “atividade predominantemente física”:
Art. 1º [...] § 1º Entende-se por esporte toda forma de atividade predominantemente física que, de modo informal ou organizado, tenha por objetivo a prática de atividades recreativas, a promoção da saúde, o alto rendimento esportivo ou o entretenimento.
Para quem tem apenas um martelo, tudo parece um prego[2]. O problema de o legislador se aferrar a uma concepção ultrapassada, é arriscar limitar todo potencial de transformação social e econômica que o fenômeno dos E-sports oferece. Por isso, a crítica e revisão legislativa propostas a seguir visam criar novos conceitos, mais adequados à realidade contemporânea.
2. Diferentes fenômenos culturais de natureza desportiva
2.1 E-sports, esportes da mente, esportes do corpo
Competições de jogos como League of Legends, Couter Strilke, FIFA, entre outros, integram um mercado que movimenta mais que a indústria do cinema e música juntos, com um crescente público de espectadores on-line, transmissões em mídias diferentes, comentarias e narradores e grandes premiações em dinheiro que movimentam aproximadamente US$ 138 bilhões ao ano (Fonte: Newzoo/FGV[3]).
Para além da importância econômica das competições de jogos eletrônicos, deve-se reconhecer a natureza desportiva do E-Sport, o que demanda romper com paradigmas tradicionais e incompreensões que permeiam o assunto. É que o conceito não pode ser circunscrito à movimentação de grandes grupamentos musculares ou contato físico, pois tal aspecto, desde muito, é insuficiente para definir o esporte como expressão cultural.
Hoje não se nega que xadrez, damas, pôquer e gamão sejam práticas desportivas. Embora sejam práticas que não demandam alto desempenho físico aparente, sua relevância social conduziu ao reconhecimento de “Esportes da Mente”[4]. Bom exemplo disso é o xadrez, esporte nacional da Rússia, surgido no século IX, popularizado no mundo inteiro e que cuja influência cultural, não raro, chega a produzir celebridades conhecidas para além do nicho dos apreciadores do esporte, como o norueguês Magnus Carlsen e o russo Garry Kasparov.
Também chamados de “jogos de habilidades mentais”, outro componente indispensável na definição do esporte, os distinguindo definitivamente de jogos de azar, é a condição de demandarem mais de habilidade que sorte na definição de resultado[5]. Essa percepção deve se somar à lição de Larissa Jensen, para quem “esporte é uma construção social passível de mutabilidade, isto é, não existe uma definição absoluta para o termo”.[6] No mesmo sentido, José Carlos Marques conclui que esporte “nada mais é do que o jogo levado a sério”.[7]
Assim, da mesma forma que se operou com os Esportes da Mente, a convenção social construiu os E-sports a partir da criação de competições de jogos eletrônicos e de sua relevância cultural e econômica.
2.2 O “ajuste-fino” entre sorte e habilidade nos esportes tradicionais e em League of Legends
Por falar no equilíbrio entre sorte e habilidade, um estudo de 2018 conduzido pelo Massaschussets Institute of Technology (MIT) buscou quantificar o nível de habilidade necessário para se obter um resultado positivo em League of Legends (LOL). O seguinte gráfico faz uma comparação entre o referido E-Sports e esportes tradicionais:
No extremo à esquerda do espectro está o simples arremesso de moeda, que depende completamente da sorte; à medida que se desloca à direita, tem-se a negociação de ações na bolsa de valores, o jogo de hóquei no gelo, beisebol, futebol americano, basquete e ciclismo, na posição à direita, em que a sorte tem um papel menor na definição do resultado.
A investigação revelou, por meio análises estatísticas, que o LOL, dentro de uma dinâmica que considerou uma só partida (“best-of-one”), possui uma relação de sorte-habilidade semelhante a esportes como beisebol e futebol americano; e, em um cenário em que se consideraram três partidas (“best-of-three”), a preponderância da habilidade se mostrou ainda maior, com uma relação de sorte-habilidade semelhante ao basquetebol profissional.[8]
Ou seja, sobre o ponto de vista do equilíbrio entre sorte e habilidade, e-Sports como League of Legends conferem aos espectadores um espetáculo cuja dependência da habilidade dos jogadores é até maior que em esportes tradicionais como hóquei no gelo, beisebol e futebol americano.
2.3 Proposta de conceituação
No centro do fenômeno esportivo, além de estar assentado na preponderância da habilidade sobre a sorte, estão os talentos, as capacidades e potencialidades físicas e mentais do ser humano, seja pela identificação gerada pela nacionalidade de um competidor ou time, seja pela admiração que os entusiastas têm em relação a um jogador ou equipe específicos.
Portanto, deve ser suprimida do art. 1º, §1º, da Lei Geral do Esporte, a expressão “atividade predominantemente física”, de modo que prevaleça o caráter lúdico, recreacional, visado à promoção da saúde (física ou mental), alto rendimento (físico ou mental) e ao entretenimento.
3. Apostas de quota-fixa e E-sports
Na redação original da Lei 13.756/2018, ela referia-se a “eventos reais de temática esportiva” como o objeto do sistema de apostas que constitui a modalidade lotérica de apostas de quota fixa. A nosso juízo, essa redação admitia apostas sobre e-sports, uma vez que (i) até 2023 não havia um conceito de desporto excludente, como aquela advinda da Lei Geral do Esporte, e (ii) porque competições de e-sports não deixam de ser “eventos reais”.
Porém, a redação da Medida Provisória 1.182/2023 promoveu um acirramento ainda maior sobre os e-sports e o mercado de apostas, pois vinculou a organização de eventos de temática esportiva àquele conceito criado pela Lei Geral do Esporte, que prestigia atividades predominantemente físicas:
Art. 29-A. Para fins do disposto nesta Lei, considera-se: I - eventos reais de temática esportiva - evento, competição ou ato que inclua competições desportivas, torneios, jogos ou provas com interação humana, individuais ou coletivos, excluídos aqueles que envolvam exclusivamente a participação de menores de dezoito anos de idade, cujo resultado é desconhecido no momento da aposta e que sejam promovidos ou organizados: a) de acordo com as regras estabelecidas pela organização nacional de administração do esporte, na forma prevista na Lei nº 14.597, de 14 de junho de 2023 - Lei Geral do Esporte, ou por suas organizações afiliadas; ou b) por organizações de administração do esporte sediadas fora do País.
Ao dizer que os eventos reais de temática esportiva devem ser organizados por organização nacional na forma prevista na Lei Geral do Esporte, há uma vinculação que, em tese, retira do setor de e-sports a possibilidade de aproveitar o relevante mercado de apostas. Tal condição incoerente com o que ocorre em experiências regulatórias bem-sucedidas – como no Reino Unido, onde projeta-se a receita de até US$152,1 milhão no ano de 2023 no mercado de apostas sobre e-sports (Fonte: Statista.com, Esports Betting – United Kingdom).
Vale ressaltar, de todo modo, que a alínea “b” do art. 29-A, da forma que se encontra hoje, até admite a realização de eventos de temática esportiva por organizações estrangeiras, o que representa uma “brecha” para a realização de apostas reguladas cujo objeto sejam eventos de e-sports promovidos por organizações estrangeiras. Porém, isto é longe de ser suficiente para abarcar o potencial do mercado, além de se mostrar flagrantemente discriminatório com os desportistas nacionais.
4. O melhor dos dois mundos
É inevitável a reivindicação de tratamento isonômico entre esportes que movimentam grandes grupamentos musculares e esportes que se fundamentam no exercício de capacidades mentais, de modo que a ideia de esporte como expressão cultural, recreação e entretenimento assuma o protagonismo, pela construção de um novo conceito legal que se mostre coerente com os novos tempos.
Diante disso, parece-nos indispensável que seja revisto o conceito de deporto presente no art. 1º, §1º da Lei Geral de Esporte nos termos do que demonstramos no item 2.3, tanto pelo prejuízo social e pelo efeito excludente que o conceito causa sobre os E-Sports, quanto pela necessidade de viabilizar apostas esportivas sobre estes, beneficiando-se toda sociedade com a mescla criada pelo encontro entre essas duas promissoras indústrias.
Alexandre Amaral Filho
Rafael Biasi
[1] JENSEN, Larissa. E-Sports: Profissionalização e espetacularização em competições eletrônicas. Dissertação de Mestrado em Educação Física, UFPR – Curitiba. 2017. p. 2 e p.97. [2] Frase atribuída a Abraham Maslow, que no original transcrevemos: “If the only tool you have is a hammer, it is tempting to treat everything as if it were a nail”. [3] https://newzoo.com/products/reports/global-esports-live-streaming-market-report. [4] http://www.espn.com.br/blogs/sergioprado/118454_poker-e-reconhecido-oficialmente-como-esporte-da-mente [5] Necessário dizer, contudo, que não se pode confundir os E-Sports com o conceito de Esportes da Mente, que assinala esportes como xadrez, gamão, pôquer, entre outros elencados pela IMSA (International Mind Sports Association). Isso porque aquela instituição chega a elencar, como um dos critérios para definição de Esportes da Mente, que referido conceito não pode depender de um equipamento proveniente de um único fornecedor. (o que retira os E-Sports do tipo, uma normalmente são propriedade intelectual da empresa produtora do jogo). Cf. http://www.imsaworld.com/wp/documents/prospectus/. [6] JENSEN, Larissa. E-Sports: Profissionalização e espetacularização em competições eletrônicas. p. 97. [7] MARQUES, José Carlos. O que é esporte? As contribuições sminais de Johan Huizinga e Roger Caillois ressignificadas por Roland Barthes. Revista Serrote. N. 3. Link: https://www.revistas.usp.br/criacaoecritica/article/view/109034/107511 [8] DOUGLAS, Cameron, HOSOI, Annete. Luck and Skill in Professional League of Legends (E-sports). MIT. 2018.
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