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A natureza jurídica das alíquotas sobre Apostas de Quota Fixa: tudo é "tributação"?

Foto do escritor: Brasil Fernandes AdvogadosBrasil Fernandes Advogados

Uma vez que usualmente o mercado se refere à “taxação” ou “tributação” das Apostas de Quota Fixa (Apostas Esportivas), o presente artigo visa trazer um apanhado histórico legislativo e conceituar o que é Tributo e o que é Destinação Social das alíquotas previstas na Lei n. 13.756/2018


A publicação da Medida Provisória n. 1.182/2023 foi um passo importante para o mercado regulado de Apostas de Quota Fixa – AQF no Brasil. Embora a outorga da atividade ao setor privado, e outros aspectos regulamentares, ainda dependam de atos do Poder Executivo, a MP editada pelo governo foi indispensável para preparar o terreno, pois algumas das matérias tratadas de fato dependiam da previsão a nível de lei, especialmente para combater a informalidade e a captação de apostas através da Internet, por sites estrangeiros.


Aliás, cabe notar que desde o princípio o uso da medida provisória foi uma constante no histórico desta modalidade lotérica: a Lei 13.756/2018, originada na MP 846/2018, retirou as apostas esportivas da ilicitude, tipificando-a como “sistema de apostas relativas a eventos reais de temática esportiva”; a Lei n. 14.183/2021, resultante da conversão da MP 1034/2021, foi responsável por alterar a base de cálculo e alíquotas da AQF. E, com a novíssima MP 1182/2023, criaram-se sanções, critérios para publicidade e marketing, restrições à operação por casas de apostas sediadas no exterior e, ainda, foram previstas novas alíquotas de tributação e destinações/repasses. A MP será apreciada pelo Legislativo (art. 62 da CRFB/88), mas gera efeitos desde a sua publicação.


No entanto, algumas análises econômico-financeiras, encomendadas de empresários dispostos a investir no setor (conforme publicação nos sites BNL e GMB), apontam para uma “excessiva taxação” na hipótese de ser aprovado o texto original da MP 1182, especialmente para pequenas e médias empresas. As consultorias chegam a considerar a alta “carga tributária” incidente sobre a exploração da atividade lotérica um fato impeditivo para a viabilidade do negócio.


A respeito disso, a Medida Provisória publicada estabelece a incidência do somatório de 18%, entre tributos e repasses, sobre o Gross Gaming Revenue (GGR), a saber: contribuição para a seguridade social, mais destinações a sistema nacional do esporte, Ministério do Esporte, Fundo Nacional de Segurança Pública e para Unidades Escolares. Vale lembrar que o GGR se constitui do produto da arrecadação, menos (i) o montante destinado ao pagamento de premiações e (ii) imposto de renda sobre o prêmio. Aos operadores será devido no máximo 82% para cobertura de despesas de custeio.


Mas, além de tais alíquotas, haverá inevitável incidência de tributos federais (PIS, COFINS, IRPJ, CSLL) e municipal (ISS), além da Taxa de Fiscalização prevista no art. 32 da Lei n. 13.756/2018, estimando o atingimento de até 30,82% do GGR. Neste contexto, pende de definição a reforma tributária brasileira (PEC 45), que pode resultar ao final, no comprometimento de aproximadamente 50% da receita total (28,04% de IVA mais as previsões da Lei 13.756/2018) – sem contar o tributo (IR) sobre o prêmio (retido pelo operador) pago pelo apostador.


Repousa aqui, finalmente, o ponto fulcral: embora seja corrente na imprensa o uso das expressões “tributação” ou “taxação” para se referir de forma ampla a todas as deduções a serem realizadas sobre o GGR(1), é certo que nem tudo constitui tributo propriamente.


As alíquotas referidas pela própria MP como “destinações” são, tecnicamente, vinculações específicas originadas da prerrogativa do Poder Executivo da União para propor normas de organização orçamentária e acerca do serviço público da Administração Pública federal, com amparo no art. 165, III, e 61, §1º, II, “b”, da CRFB/88. Já a contribuição para seguridade social(2) incidente sobre a receita de concursos de prognósticos, instituída pelo art. 26 da Lei Federal 8.212/1999, ou a Taxa de Fiscalização, prevista no art. 32 da Lei n. 13.756/2018, são, inequivocamente, tributos. Caem na mesma categoria demais exações, como PIS, COFINS, IRPJ, CSLL e ISS:



Referida distinção é indispensável diante do contexto federativo em que se insere a atividade lotérica no Brasil, porque desde o julgamento das ADPFs 492 e 493 em 2020, todos os Estados e o Distrito Federal podem explorar a AQF e as outras modalidades lotéricas previstas em lei federal. Com isso, a criação de repasses e destinações (fatores que impactam diretamente no aspecto administrativo da Loteria) deverá ser definida por eles próprios, em atenção à sua autonomia administrativa e em linha com o que decidiu o Supremo Tribunal Federal no julgamento conjunto das referidas ADPFs.


Dito de outro modo, embora a matéria tenha influxo do art. 22, XX, da CRFB e se aplique nacionalmente (nomeadamente para a criação de novas modalidades lotéricas, conforme definiu o STF), as destinações para o Ministério do Esporte, Fundo Nacional de Segurança Pública etc., estabelecidas na Lei n. 13.756/2018, são regras aplicáveis apenas em âmbito federal e se referem unicamente à receita advinda da atividade lotérica da União, não podendo vincular os entes subnacionais. Da mesma forma, aos estados e ao Distrito Federal evidentemente não seria aplicável a Taxa de Fiscalização acima referida, em função de ter como fato gerador o exercício do poder de polícia da União sobre os operadores que exercem a outorga para explorar a modalidade de AQF.


Eis a importância, portanto, de a União federal, bem como os demais entes federados que titularizam o serviço lotérico, atentarem para a adequação econômica da incidência de alíquotas tributárias e de vinculações específicas sobre a receita obtida com a atividade, pois, conforme já mostrou a experiência internacional, o grau de comprometimento da receita tende a ser inversamente proporcional à taxa de canalização(3).


Se até o momento o governo federal adotou medidas imprescindíveis para preparar o terreno, e o congresso já está discutindo os termos da MP, caberá ao Planalto se articular para que todos os termos da regulamentação se atentem à realidade do mercado.



Brasil Fernandes Advogados

Rafael Biasi

Alexandre Amaral Filho

Roberto Brasil Fernandes

Daniel Fernandes




(1) Link: https://www.gamesbras.com/apostas-online/2023/7/26/luiz-felipe-maia-as-reaes-do-mercado-nova-

lei-de-apostas-esportivas-so-99-negativas-38820.html.

(2) Adota-se, aqui, a teoria pentapartite para classificação de tributos, segundo a qual as espécies

tributárias são imposto, taxa, contribuição de melhoria, empréstimo compulsório, e contribuições, gênero

do qual integra a contribuição para seguridade social, conforme entende o Supremo Tribunal Federal (AI-

AgR 658576/RS, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Julgamento em 27/11/2007; AI-AgR

679355/RS, Relator Ministro Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, Julgamento em 27/11/2007; RE

138284/CE, rel. Min. Carlos Velloso, j. em 01/07/1992; RE 556664/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, j.

12/06/2008; entre outros). Não se desconhece, por outro lado, a teoria tripartite, que define tributo a partir

das espécies imposto, taxa e contribuição de melhoria, negando a natureza tributária do empréstimo

compulsório e das contribuições. O fundamento da teoria se encontra na literalidade do Art. 5º do Código

Tributário Nacional, e no art. 9º da Lei 4.320/1964, e é adotada por respeitados autores de Direito

Tributário, sendo majoritária na doutrina de Direito Financeiro.

(3) Licencing system for online gambling: which tax-rate yields both high channelization and high tax

revenues? Link: https://copenhageneconomics.com/wp-content/uploads/2021/12/copenhagen-

economics-2016-licensing-system-for-online-gambling.pdf.


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