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Áreas de Preservação Permanente e Construção Civil: código florestal ou lei de parcelamento do solo?



Com o crescente desenvolvimento e aperfeiçoamento do setor construtivo, cenário no qual o Estado de Santa Catarina possui especial destaque, com alta expectativa de crescimento para o setor nos próximos três anos[1], observa-se também um considerável aumento nas discussões envolvendo as Áreas de Preservação Permanente (APP), especialmente aquelas concernentes às faixas marginais de cursos d’água.


A Lei nº 12.651/2012, que dispõe, precipuamente, sobre a proteção de vegetação nativa em todo o país, conceitua Área de Preservação Permanente como sendo “área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas”.[2]


Nesse diapasão, referida lei considera como sendo Área de Preservação Permanente as faixas marginais de qualquer curso d’água natural, perene e intermitente, as áreas em torno de lagos e lagoas naturais e também aquelas entorno de reservatórios artificiais decorrentes de barramento ou represamento, áreas entorno de nascentes e olhos d’água perenes, restingas, manguezais, dentre outros.


A metragem das faixas consideradas como APPs, por sua vez, varia de acordo com a largura dos cursos d’água, sendo que a área de preservação mínima, segundo aquela legislação federal, é de 30 (trinta) metros para os cursos d’água com menos de 10 (dez) metros de largura, podendo chegar até a 500 (quinhentos) metros para os cursos d’água que ultrapassem os 600 (seiscentos) metros de extensão.


Outrossim, o regime de proteção das Áreas de Preservação Permanente estabelece que toda a vegetação situada em APP deverá ser mantida pelo proprietário, possuidor ou ocupante a qualquer título da área, o qual é obrigado a preservá-la e promover a sua recomposição quando constatada a supressão.


Discussão recente e de suma relevância diz respeito à análise dos fins ecológicos do curso d’água que se pretende proteger quando da concessão de autorização para construção.

Nesse sentido, no âmbito jurídico, entendimentos recentes abrem precedentes sobre a necessidade de se discutir mais a fundo determinados fatores capazes de caracterizar, ou não, uma área como sendo de preservação permanente.


A título exemplificativo, cita-se entendimento da terceira câmara de direito público do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, que negou provimento a um recurso que intentou reformar sentença proferida em ação popular ambiental – que tramitou perante a 1ª Vara Cível da comarca de São Bento do Sul (SC), que entendeu pela regularidade de construção levantada com distanciamento inferior a 30 metros das margens de um curso d’água daquele município, destoando, a princípio, do que prevê a Lei nº 12.651/2012.


O entendimento do egrégio Tribunal foi no sentido de que, muito embora demandas que envolvam questões ambientais devam ter por premissa base a proteção da fauna e da flora em detrimento da expansão das áreas construtivas, imperioso é que se faça uma análise mais acentuada quanto aos aspectos ecológicos das regiões a que se pretende considerar como Área de Preservação Permanente.


Na decisão supracitada, a parte autora pretendia a anulação de todos atos administrativos que concederam alvará de construção cujo distanciamento da edificação era menor do que o disposto no inciso II do art. 3º do Código Florestal, bem como pretendia também a suspensão de todas as autorizações concedidas pela municipalidade que não respeitavam tal comando normativo.


Outrossim, entendimento firmado tanto em primeiro quanto em segundo grau foi no sentido de que, muito embora haja curso d’água no entorno de onde a edificação pretende ser levantada, este já não mais atende aos seus fins ecológicos, porquanto já canalizado e tubulado, além de situado em “área urbana consolidada e em amplo desenvolvimento”.


Dada a descaracterização dos fins ecológicos do rio em comento, o Tribunal de Justiça do Estado entendeu que, no caso, cabe a aplicabilidade da lei de parcelamento do solo urbano (Lei nº 6.766/1979) e não as disposições concernentes à APPs do Código Florestal.

Neste vértice, a Lei nº 6.766/1979, que dispõe sobre o parcelamento do solo urbano, prevê, quanto à preservação de cursos d´água, que os loteamentos em geral deverão reservar uma faixa não edificável de 15 metros de cada lado, tanto ao longo de águas correntes ou dormentes quanto de faixas de domínio público envolvendo rodovias e ferrovias (art. 4º, III, da Lei nº 6.766/1979).


Para o Desembargador Cesar Abreu, relator do recurso supracitado, em “regiões que apresentam estágio de urbanização e em amplo desenvolvimento, não se mostra necessário adotar as disposições severas da legislação federal”[3].


Nessa mesma toada é que o Ministério Público Estadual publicou Enunciados que objetivam viabilizar uma interpretação mais aprofundada, assertiva e uniforme no que se refere às chamadas Áreas de Preservação Permanente em Áreas Urbanas Consolidadas.


Para o órgão ministerial, entende-se por área urbana consolidada “aquela situada em zona urbana delimitada pelo poder público municipal, com base em diagnóstico socioambiental, com malha viária implantada, com densidade demográfica considerável e que preencha os requisitos do art. 47, II, da Lei nº 11.977/2009, excluindo-se o parâmetro de 50 habitantes por hectare” (Enunciado nº 02).


Partindo de tal conceituação, o Enunciado nº 03, por sua vez, dispõe sobre a possibilidade de flexibilização da aplicação do art. 4º da Lei nº 12.651 – que prevê as faixas de distanciamento de cursos d´água, dentre outras disposições.


Destarte, o entendimento ministerial é no sentido de que, em se tratando de áreas urbanas consolidadas, bem como não sendo o caso de áreas de interesse ecológico relevante ou de situação de risco, admite-se a flexibilização das faixas de distanciamento de edificações dispostas no código florestal (que prevê um distanciamento mínimo de 30 metros), devendo-se, nesses casos, aplicar a lei de parcelamento do solo urbano, que prevê um distanciamento consideravelmente menor, qual seja, de 15 metros.


Assim, pelo o que se pode observar dos entendimentos firmados pelos tribunais, estes inclusive corroborados por entendimento das cortes superiores, consolida-se verdadeira flexibilização das disposições constantes na legislação ambiental com o objetivo de propiciar o desenvolvimento urbanístico de áreas onde já não mais observa-se o desenvolvimento da fauna e da flora de forma a atender ao que o MPSC chama de “áreas de interesse ecológico relevante”.


[1] Segundo dados da pesquisa intitulada “Cenários Prospectivos: os impactos da produtividade da indústria construtiva 2018-2020", desenvolvida pelo Sistema de Inteligência Setorial (SIS) do SEBRAE/SC. Para ler mais sobre o crescimento do setor construtivo no Estado de Santa Catarina: https://www.brasilfernandes.adv.br/single-post/2018/09/13/Estudo-Setorial-da-Constru%C3%A7%C3%A3o-Civil-Aponta-as-Possibilidades-de-Crescimento-do-Setor-em-Santa-Catarina

[2] Art. 3º, II, da Lei nº 12.651/2012.

[3] TJSC, A.Civ. nº 0006913-58.2012.8.24.0058, rel. Des. Cesar Abreu.

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